Viva a Tristeza!
Não, não vou falar mal da tristeza, não seria justo. Eu devo a ela minhas profundidades, minha imaginação, minha volta por cima. Graças a ela vislumbrei coisas importantes para mim. Músicas que várias pessoas conhecem. Cartas, textos, coisas que ninguém vai ler, mas que me serviram em algum momento. Mergulhei no pôr-do-sol, uivei prá lua, encostei a cabeça na janela naquele dia de chuva e ouvi a música mais linda do mundo.
Num dia triste, me sentindo fora do planeta, fui ao cinema e vi "Blade Runner". Num dia soturno fui caminhar na praia e vi a onda mais azul, o céu mais infinito e o horizonte mais perfeito. Num dia triste li e reli Fernando Pessoa e não me senti só.
Num dia cinza eu me senti viva e quis virar lápis de cor.
Num dia assim-assim trouxe um cachorrinho pra casa, que virou meu maior menor companheiro.
No dia mais triste do mundo eu perdi um amigo. No dia seguinte, ainda triste, agradeci por ter tido um dia um amigo que me valesse tanto.
Num dia infinitamente triste eu cantei, minha voz era a voz da tristeza que percorria o meu corpo. E fiz um monte de gente feliz.
E também para que não percamos o poder de ação, precisamos olhar para a tristeza, precisamos nos indignar com ela, precisamos desejar a alegria genuinamente. Com essa mania de corrigir tudo no computador, acabamos facilitando nossa fragilidade diante de tudo. Ortografias, fotos, cores, sorrisos, a vida vai virando um show de Truman de verdade!
Você ouve uma voz, mas não tem certeza se foi corrigida ou não, vê uma foto, mas não sabe se há silicone, injeções ou Photoshop, lê um texto e a autoria fica vagando pelos sites.
Zélia Duncan
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